30 de set. de 2008

QUE VENHA A MÍDIA TÁTICA!
Ricardo Rosas e Tatiana Wells
www.rizoma.net

Um espectro ronda a cultura - o espectro da mídia tática. Desafiante, brincalhona, iconoclasta e consciente, a mídia tática não tem papas na língua para por em questão os padrões do bom gosto, da apatia social, da prática artística ou da assepsia ideológica das novas mídias.
A partir dos anos 80 e com o advento de tecnologias baratas, uma nova forma de ativismo começa a surgir levada pela idéia de nomadismo e resistência. Esses movimentos visam oferecer uma outra maneira de pensar a função transgressiva da comunicação, muitas vezes através de um discurso estético. Essas características vêm tanto dos movimentos de contracultura dos anos 60 quanto da versão européia de estética revolucionaria vanguardista. As vanguardas mudaram o lugar da arte das galerias para as ruas reintegrando-a à práxis da vida, mas a experimentação cultural não pode ser privilégio de uma política ou movimento assim como a arte não precisa mais ser a expressão maior de uma superioridade moral.
Mídia Tática é um conceito que se firmou nos anos 90, fruto de práticas de ativistas de mídia e festivais de novas mídias na Europa e nos EUA. Seu fundamento básico é a produção "faça-você-mesmo", realizando um uso diferenciado das potencialidades de comunicação tornadas possíveis graças à crescente acessibilidade de materiais e equipamentos de mídia.
Desvinculada de interesses de mercado e de agendas ideológicas associadas aos grandes meios de comunicação, a mídia tática dá voz a todos aqueles excluídos desses meios: classes desfavorecidas, minorias (raciais, sexuais, etc.), comunidades alternativas, dissidentes políticos e artistas de rua, entre outros.
Mídia tática usa não somente os meios usuais, mas também os espaços públicos - não como mera maquiagem urbana, mas voltada a questões de interesse geral, e por isso sua natureza híbrida misturando cultura popular, cultura oposicionista e mesmo a cultura de massas. Daí também sua vasta abrangência, que vai da reutilização de mídias tradicionais como tv, rádio, vídeo, meio impresso e artes em geral, a web sites, produção de softwares e todo tipo de mídia eletrônica, incluindo igualmente, se for o caso, performance, djs e teatro de rua. Rua = esfera pública alternativa que permite uma maior interação entre obra e audiência. Mídia como entendimento de seu próprio potencial criativo, e a conscientização como um processo critico contra a hegemonia deformadora.
Isso não quer dizer que ela seja somente uma mídia alternativa, pois o conceito de mídia tática foi criado justamente para fugir destas dicotomias - amador vs profissional, alternativo vs. mainstream - baseado-se justamente na flexibilidade de suas extensões, de suas respostas, assim como no trabalho colaborativo e em sua mobilidade entre as diferentes mídias. O mais importante são as conexões temporárias que conseguem ser feitas através dela.
Mas qual o sentido de um "Laboratório de Mídia Tática" no Brasil?
Ocorre que muita gente tem produzido mídia tática por aqui, mesmo sem saber que o que fazem tenha um nome. Seja intervenção urbana, usos táticos da arte, da web, de rádios piratas, fanzines e por aí vai, o fato é que estamos assistindo a um verdadeiro boom de mídia indie no Brasil. Algo que não se poderia deixar passar despercebido. Além disso, urge uma inclusão digital que contemple, por exemplo, quem não possa bancar um micro. O conceito de mídia tática, então, pode ser adaptado à realidade brasileira ao propor alternativas, formas de mobilizações que propagam circuitos interdependentes. Essas buscas por autonomia falam sobretudo de educação, disseminação tecnológica inclusiva e relações centro-periferia.
Antropofagizamos práticas de mídia para, além de propor a coletividade e autonomia das relações produtivas, reconhecer igualmente a periferia - somos todos periféricos em relação ao Império - como realidade marginalizada e, antes de tudo, expressão primeira da lógica colonizada das culturas latino-americanas.
O estudo dessas praticas, através de um laboratório, demonstraria como utilizamos, consumimos e passamos adiante essas representações, pois já sabemos que as usamos muito mais criativamente do que supomos. Um laboratório, sendo um espaço de experimentação, de troca de informação e experiências, e um local em que químicas insuspeitadas acontecem. Um laboratório de mídia tática é um espaço em que todos nós somos artesãos de nossa mídia. Onde todos podem produzir, interferir, recombinar, informar a nossa realidade ordinária e assim voltar aos pequenos mitos cotidianos. Os praticantes de mídia tática são aqueles que não somente produzem suas histórias locais, seus dramas, alegrias e preocupações, como também as protagonizam.
Seja você a sua mídia, esse é o nosso lema!
E parafraseando o antropófago-mor,
"A nossa independência ainda não foi proclamada".
Contra a realidade social, vestida e opressora, catalogada de estatísticas e personagens de novela. Contra as guerras santas, os reality shows e os tráficos de sonhos disfarçados pela conivência dos jornais espetaculosos ante a anestesia e a cegueira de quem vê apenas o lado de cá das grades que se auto-impõem - a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias de um outro mundo possível.
1. Este texto foi o manifesto do festival Mídia Tática Brasil, realizado em março de 2003, na Casa das Rosas, em São Paulo.
Fonte: Mídia Tática (www.midiatatica.org).

10 de set. de 2008

"... a fruição do prazer está separada do trabalho, os meios do fim, o esforço da recompensa. Eternamente acorrentado a um único e diminuto fragmento do todo, o homem configura-se apenas como um fragmento; escutando sempre e apenas o monótono rodopiar da roda que ele faz girar, jamais desenvolve a harmonia do seu próprio ser e, em vez de dar forma à humanidade que existe em sua natureza, converte-se em simples marca de sua ocupação, de sua ciência."

Schiller, Cartas Sobre a Educação Estética
"Reduzir a imaginação à escravidão, mesmo que estivesse em jogo aquilo a que se chama grosseiramente felicidade, é privarmo-nos de tudo que encontramos, no nosso íntimo mais profundo de justiça suprema. Somente a imaginação nos diz o que pode ser."

André Breton, Les Manifestes du Surréalisme
"Tudo passa, tudo retorna, a roda da existência gira eternamente. Tudo morre; tudo torna a florescer; correm eternamente as estações da existência.
Tudo se destrói, tudo se reconstrói, eternemente se edifica a mesma casa da existência. Tudo se separa, tudo se saúda outra vez. O anel da existência conservou-se eternamente fiel a si mesmo.
A todo instante a existência principia; em torno de cada aqui, gira a esfera acolá. O centro está em toda parte.
Tortuosa é a senda da eternidade."


Nietzsche, Assim falou Zaratustra

Além Sois

somente nave vagando em ruínas carcomida pelos confins do espaço sideral

[ou seria ruína de estação espacial?]

uma carcaça-humana em um planeta de barro
buracos nas montanhas, casas nas cavernas
asas brotam da carcaça carcomida
fezes e formigas são atiradas pelos megafones
girafas de duas pernas de terno e cigarrilha
apontam no céu vinho, refletindo os sóis
outrora carcaça irrompendo além


por D. Tucci
como onda que vem e encharca
aquele sabor selvagem do mar
cristalizado na serra

transcendemos, graciosa personagem
posso notar em ti rebeldia arisca quase caribenha
escorrendo em sua pele branquinha
portos, águas
fogo intenso e muito calor
transborda
em olhares curtos e gulosos
afiados e aquele carisma
pirata [e cigano (?)]

beija de língua o mar e ataca
encina palavrões para sua maritaca
[tudo é possível pois estamos no espaço-tempo parahytinga
onde todos os lugares são possíveis]


por Dan Tucci

Odeio-te

Odeio carros e o barulho de seus motores, sua fumaça e os combustíveis que consomem, o espaço físico que tomam nas cidades, as mortes e acidentes causadas por eles e seus motoristas. Odeio gente que se acha mais do que outras pessoas por que possui carro e odeio mais ainda pessoas que valorizam alguém por possuir carro.
Odeio asfalto, faróis de veículos batendo na vista, faróis de trânsito, placas de trânsito, guardas de trânsito.
Odeio fábricas, montadoras e lojas de carros. Odeio que quem compra carro. Odeio quem vende. Odeio pneus e seus cemitérios. Odeio "marias-gasolina" e "co-pilotos".
Odeio oficinas mecânicas, funilarias, borracharias, auto-elétricas, auto-peças...
Odeio ruas, avenidas, cebolões, viadutos, pontes e a forma como a estrutura e a paisagem das cidades são defenestradas em função dos carros.
Odeio buzinas, som alto em carro de playboy otário e aqueles carros que passam com caixa de som encima fazendo propaganda.
Odeio ver carros. Odeio propaganda de carros. Odeio competições de som em carros, rachas, ralies, grande-prêmios e etc.
FODA-SE SEU CARRO! Vou explodi-lo.

Flashback Urbanóide

cabuladas e fliperamas
asfalto molhado de chuva à noite
tantos anéis nos dedos que mal consigo pôr as mãos nos bolsos
fones nos ouvidos e ônibus lotados
calça rasgada no joelho
trem desliza pelo avesso da cidade
rolês pelo centro
rebeldias incontidas & fugas para o mato &
histórias em quadrinhos
duas salsichas verdes no dog do centrão
50 cents no único bolso não furado

por Dan T.